domingo, 20 de fevereiro de 2011

série transitivos - 2011
trânsito 1, trânsito 2 e trânsito 3

Triptico apresentado na mostra [espaço comum] do grupo TrAÇÃO
na 
Galeria Cândido Portinari - UERJ
Rua São Francisco Xavier, 524
Maracanã


O grupo TrAÇÃO é formado pelas artistas Daniela Seixas, Isabel Carneiro, Jacqueline Siano, Mariana Katona e Nena Balthar e pela curadora Carla Hermann, e tem sua base no curso de mestrado em artes do Instituto de Artes da UERJ, ambiente que propiciou trocas de ideias e discussões múltiplas sobre arte e vida.

Abaixo, texto que consta no catálogo da exposição escrito por Carla Hermann.


"O que interessa a Jacqueline é a arte contida na simplicidade do fazer diário. A matéria-prima que utiliza é tudo aquilo que vê pelas ruas. Em sua série anterior de trabalhos denominada in transit, a artista deslocava determinados aspectos do cotidiano que ela mesma vivenciava e com eles construía seus vídeos. As pegadas no espaço, as trilhas nas ruas, os rumos pelos trilhos do metrô que marcam o tempo circular da jornada diária é que norteavam sua obra, ao mesmo tempo em que faziam contraponto com momentos idílicos cinematográficos. A edição das imagens e a colagem de trajetórias anônimas com trechos de filmes nos colocam em outro quando, mostrando que é possível outra temporalidade além da estabelecida.

Numa espécie de releitura do ato de flanar, do exercício de fruir o espaço com outros olhos, Jacqueline Siano realiza a apreensão do sublime pelo viés do ordinário. Nos espaços de interstício da circulação capta momentos de beleza espontânea. Procura na melancolia das travessias o singular. E encontra na repetição do que já é repetido pequenos “desvios” que não obedecem à ordem do cíclico e dá continuidade a isto nesta obra apresentada na exposição Espaço Comum.

No trabalho trazido para a exposição, há a exibição simultânea de capturas e edições distintas, cada qual existindo com seu áudio de maneira independente. A montagem em paralelo dos dispositivos exibidores de imagens propõe que os vídeos são complementares uns dos outros  formando uma única obra mas que funcionam, de certa maneira, dentro deles mesmos. Jacqueline coloca em atrito a temporalidade própria da ação capturada e a temporalidade criada pela edição que fez da imagem. Por sua vez, como cada dispositivo funciona como um indivíduo isso acaba por colocar em fricção também cada vídeo que carrega. A artista nos convida a ouvir com os sons de cada vídeo, incendiando as imagens até então silenciosas no espaço expositivo. A partir da expectativa criada pela imagem e a experiência que fazemos dela, vivemos outra situação de oposição: o som pesado de máquinas da construção civil que ouvimos juntamente com a filmagem de uma árvore parece não estar no seu devido lugar. Da mesma forma, ruídos inespecíficos parecem não pertencer à paisagem do lado de fora da janela. Tanto a cacofonia quanto a dissonância entre a imagem e o som nos permitem criar novas experiências a partir do que a artista nos coloca.

A escolha de imagens que Jacqueline Siano faz nos leva a questionar as nossas próprias experiências. Temos as noções de que ficam para trás quilômetros e quilômetros de estrada, de que a urbanidade precária invadiu o campo e de que a (parca) contemplação da natureza que podemos fazer na cidade pode a qualquer momento ser interrompida pelos ruídos do progresso. E nos levam a repensar a maneira como lidamos com o dia a dia e como construímos, também diariamente, nossos tempos."



sábado, 19 de fevereiro de 2011

438R- Vila Isabel-Leblon 
No segundo semestre de 2010, retomei o projeto de mapeamento das linhas de ônibus que trafegam pela rua principal do bairro onde resido - desdobramento de pesquisa iniciada no mestrado sobre fluxos de deslocamentos nos espaços coletivos na cidade do Rio de Janeiro, com ênfase naqueles percebidos como espaços de passagem.  
Para Michel Foucault, os trens (e por extensão outros meios de transporte coletivo) se configuram como espaços de posicionamento de passagem; "um extraordinário  feixe de relações"¹, pois ao mesmo tempo em que passam por nós, nos fazem passar de um lugar a outro e por eles ainda passamos. 

Nesse passar repetitivo, muitos deixam escapar o singular; pequenos rastros na insuspeitável e oculta memória da vida urbana cotidiana. 

O trabalho se configura como um jogo cujo ponto de partida é o ponto de ônibus mais próximo a minha casa. De lá, pretendo cobrir todas as linhas que trafegam pela rua Jardim Botânico, mapear e registrar esses percursos na forma de fotografias, vídeos, desenhos e anotações. 

Recentemente, com a introdução do "bilhete único", começaram a acontecer algumas alterações visíveis e invisíveis, mas profundamente modificadoras dos modos de usar habituais como a padronização das cores dos ônibus, a adição de uma letra a frente da identificação numérica dos carros e a possibilidade de uso de um mesmo bilhete pelo período de duas horas e pequenas alterações nas linhas.
O Sistema Municipal de Transporte Urbano (SMTU) começa no dia de hoje a implantação de um novo traçado do tráfego na Av. N. Sra. de Copacabana com duas faixas exclusivas para ônibus, e parece ter em seus planos para futuro próximo, a expansão desse sistema para outras vias, inclusive para a rua Jardim Botânico. 




       Lgo.Machado-Leblon com novo layout                                                              S.Peña-Horto
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¹.FOUCAULT, Michel. Outros espaços. In: Ditos e escritos, nº3, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p.414.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

um dia comum e especial

Pela sacada do ateliê aberta por sobre a rua, percebo o fluxo aéreo de nuvens e o vento no frondoso e altivo pé de oiti. Sua copa além de derramar uma sombra generosa sobre a rua, amenizando o inclemente sol de verão, abriga imensa diversidade de pássaros e insetos e a itinerante visita de micos-estrela e macacos-prego, o que por vezes me leva a esquecer um pouco a urbanidade logo abaixo.
Da rua ouço vozes e a agitação das crianças na creche ao lado. Tanto as nuvens quanto o pé de oiti vêm tomando minha atenção ultimamente, e enquanto trabalho na edição de um vídeo ou em notas sobre os trabalhos, aciono a câmera que vai capturando outros fluxos e sons que vão aderindo à cena - tudo se mistura na captura direta, como o ensurdecedor ruido de uma britadeira ou o canto de algum pássaro, contrapontos que a cidade pode oferecer.


O tempo lento do passar das nuvens, a movimentação de pequenos insetos e pássaros que transitam pelos galhos. Uma leve brisa ou as fortes rajadas de vento que vem varrer a copa e fazer chover milhares de folhas miúdas que caem como confete sobre a calçada criando um fino tapete me enchem de energia, e assim vou acumulando imagens para futuras edições.


Penso que criar é efetivar aquilo que surge como potência, é efetuar o processo e não detê-lo em metas e correções, é deixar fluir o tempo, e só depois então, ter a consciência da realização de uma vontade - assim, acolho os acontecimentos.