sábado, 20 de novembro de 2010

de passagem

Nasci, vivo e trabalho na cidade do Rio de Janeiro - ponto de apoio entre idas e vindas por outros lugares - complexa paisagem formada por vários tecidos urbanos e não urbanos em constante pulsão e mudança. Aqui tenho meu domicílio. Em sua geografia o Rio de Janeiro sugere um sanduiche entre o Oceano Atlântico e o Maciço da Tijuca. A faixa edificável, assim comprimida, é densamente povoada, e a cidade se espraia em direção aos morros e mata.Seus contornos de montanhas florestas praias edifícios e gente se derramam sobre as calçadas e o asfalto onde circulam ações apropriações e intervenções de diversas ordens; sejam arquitetônicas, artísitcas, sociais, políticas...  
Mas embora preserve amplos espaços de respiração - coisa incomum em outras partes - a cidade do Rio de Janeiro não consegue esconder em seus contornos os problemas sociais e de relacionamentos que a atravessam.
A cidade se apresenta para ser vivenciada e assim se revela como espaço para os mais variados acontecimentos; como pano de fundo que recebe, absorve e amplifica diversas falas.

Entre muitos autores que pensam o meio urbano como campo de enunciações encontro Michel de Certeau que observando do alto a rotina dos pedestres de Nova Iorque percebe que os percursos, ainda que invisíveis aos olhos, criam espaços na cidade. Infinitos trajetos que os mapeamentos se esforçam por reproduzir. Para Certeau: "Os jogos dos passos moldam espaços. Tecem lugares".¹  


Nossos corpos transmitem mensagens, assim o movente institui distanciamentos e aproximações; "cria uma organicidade móvel no ambiente".²

Amplidão,agitação, mutação, acumulação, dispersão, simultaneidade, fluxos, deslocamentos, reflexos e reflexões provocam novos encontros. Assim o ambiente urbano apresenta um dinamismo que irradia sua potência de organismo vivo tornando-se um lugar privilegiado para a arte.

Em meu trabalho procuro capturar traços de um texto urbano escrito nos espaços de passagem. Busco capturar indícios de modos de pensar as pressões que o ambiente urbano e seus componentes culturais exercem sobre os pensamentos e comportamentos daqueles que nele vivem e atuam.
Fico curiosa em meio a tantas diversidades, a tanta multiplicidade que cabe em cada uma dessas pessoas, e a tantas mudanças dessas diversidades ao longo do tempo; sobre quais serão os encontros mais felizes entre cada um; entre tantos e distintos modos de viver o espaço urbano.

Atuo fazendo captura de imagens em movimento. Os lugares são diversos, e entendo-os como espaços de passagem - ruas , avenidas, passarelas, plataformas, vagões e coletivos, mas também em espaços como museus e galerias -, sempre em constante movimento.
Procuro capturar os diversos posicionamentos nesses lugares, como acontecem as relações de vizinhança e ocupação entre as pessoas que habitam ainda que provisoriamente esses sítios, e que muitas vezes, por estarem aprisionadas em suas rotinas diárias, já não conseguem mais perceber o diferente brotar a cada instante na própria rotina cotidiana. São vidas que deixam de pulsar vigorosamente, para somente deixar a vida passar, e nessa apatia, deixam escapar imprevisíveis caminhos capazes de provocar o novo.

Penso que é preciso invocar forças para experimentar provocações que possam alterar a rígida especialização dos espaços que penetro. Sigo movida por uma esperança ativa a provocar desvios na repetição do mesmo que assombra esses lugares; a promover deslocamentos ao fazer transitar os comportamentos que se cristalizaram nas relações entre esses espaços e seus ocupantes.
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¹ CERTEAU, Michel de. Caminhas pela cidade. In: A invenção do cotidiano:1. Artes de fazer: Petrópolis, RJ:Vozes,2008,p.170.
² Ibidem, p.178.