A mostra Série Gráficas em Processo em cartaz no mês de dezembro na Galeria EAV, apresenta trabalhos de artistas que vêm desenvolvendo suas pesquisas nas oficinas de serigrafia da EAV-Parque Lage. São muitas as questões e referências apresentadas em suportes variados.
Escolhi mostrar dois trabalhos, o primeiro fala do processo serigráfico com máscaras de papel e pretende ainda dialogar com O Grande Vidro de Marcel Duchamp, por isso o trabalho leva o título de O pequeno vidro. Trata-se de um display em acrílico transparente onde foram sobrepostas três máscaras de papel utilizadas para impressão. Instalada perpendicularmente a uma das paredes da galeria, a peça aciona o espaço que a abriga. Ao aproximar-se do Pequeno Vidro, o visitante percebe-se num outro lugar de onde é possível observar através dos recortes vazados a movimentação na galeria, o que lhe proporciona um olhar voyuerístico. No entanto, esse mesmo visitante-voyeur passa a saber-se também passível de ser observado, o que pode trazer um desconforto até então não experimentado.
Com O Grande Vidro, Duchamp inaugura um espaço topográfico dentro de um outro espaço, o expositivo. A peça, uma lâmina de vidro duplo seccionada horizontalmente em duas partes, já em sua configuração, sugere o que sua transparência de vidro assinala, a duplicidade. Medindo 2,725x1,758m, o Vidro, pela força de sua materialidade mesma, aciona a visibilidade do outro que se encontra no lado oposto, expõe e secciona o espaço no qual se encontra instalado. Para Octávio Paz, "é um enigma e, como todos os enigmas, não é algo que se contempla, mas sim que se decifra."1 Cabe a nós, portanto, experimentá-lo.
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
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instantâneo do vídeo "Sobre ilhas e pontes" |
"Sobre ilhas e pontes", trabalho apresentado na forma de pequena instalação áudio visual na exposição Cidade e Desaparecimento procura trazer a tona algumas questões que perpassam as relações entre arte, seus objetos, lugares e dispositivos de apresentação, assim como acionar a memória da cidade, de seus habitantes e do próprio lugar que os abrigam. O vídeo mostra uma caminhada em um parque da cidade do Rio de Janeiro, lugar pitoresco, que guarda em sua área dois outros espaços criados no século XIX; duas heterotopias, diria Foucault.
Pensado primeiramente como registro da ação no parque, o vídeo se desdobra em obra, e com essa nova forma adquire certa autonomia podendo tomar diversos espaços de exposição, e nesse caso especificamente, indo além, e envolvendo o projeto e a construção de um dispositivo de apresentação incomum para imagens em vídeo; uma vitrine que trata diretamente da relação com os dispositivos museológicos e a exibição de suas coleções, sejam de objetos antropológicos, etimológicos ou outros tantos dados a ver nos museus, e que também evoca coleções particulares e gabinetes de curiosidades.
Durante a caminhada, a câmera leva o espectador a refazer seu percurso até uma dessas heterotopias, e poucas são as pistas que podem revelar o lugar para onde se dirige. Não se procura tratar portanto do imediatamente reconhecível, mas de acionamentos de memórias subjetivas e particulares, de ampliações espaço-temporais. Assim, lentamente, o espectador começa a tornar parte da obra, a vivenciar o espaço que se anuncia e que se vê capturado como imagem pela câmera e emoldurado não só por uma vitrine e passe-partout, mas também pela instituição mesma que os abriga, visitante e obra. Também a música compõem junto as imagens uma cadência que o incita a percorrer o espaço visitado e o captura. Conjugados, som e imagem começam então a convocar outros espaços, como o espaço da memória ao evocar outras temporalidades e ausências; conceitos, como público e privado, real e virtual e questões de vida e arte, como pertencimento e não pertencimento, transparência e opacidade.
A medida que caminhamos, colocamos nossos sentidos em alerta a fim de poder exercer uma espécie de domínio sobre nosso corpo e sobre o espaço por onde nos deslocamos, e ao mesmo tempo que avançamos, seja sem rumo predeterminado ou com um propósito definido, vamos deixando para trás traços de nossa passagem por outros lugares caminhos espaços e memórias de encontros e de nós mesmos.
Durante a caminhada-convite poucas são as referências que cedem ao olhar do visitante-observador-partícipe o prévio reconhecimento do lugar onde se dá a ação e para o qual é transportado; condição de possibilidade de encontros com o imprevisto, posto que o lugar para o qual a câmera avança, lenta mas imperturbavelmente, permanece por longo tempo como invisível presença.
Instalado dentro da vitrine e envolvidas pelo passe-partout, o trabalho ao mesmo tempo demanda outra postura na aproximação física do visitante, a imagem só pode ser vista por um recorte na grande moldura e a altura do anteparo (da tampa da vitrine) obriga-o a dobrar seu ventre e assim posicionado se vê condenado a experimentar uma posição menos vertical e usual.
A localização do móvel na galeria também conta com o inesperado. Posicionado à esquerda da entrada da galeria, praticamente atrás de uma das portas, portanto em lugar pouco provável de se localizar um objeto de arte, o visitante apressado só o descobre à saída, depois de ver toda a exposição, e aí então percebe de onde vinha a música que ouvira à distância. Aí então, entre obra visitante e espaço fecha-se um circuito.
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
domingo, 9 de outubro de 2011
a ação que rompe a continuidade
Sentada à janela do ônibus, capturo a paisagem externa e o movimento das ruas. Vejo o Pão de Açúcar e a Baía de Guanabara e me pego a imaginar o momento dos viajantes a vislumbrar essa geografia, a registrar suas primeiras e agitadas impressões dessa estonteante paisagem, quando ainda não havia essa outra natureza que é a cidade. Mas ao mesmo tempo em que uma excitação me alenta, também experimento uma melancolia sem que isso me paralise.
Essa condição conduz meu pensamento a Walter Benjamin que, sabendo de perdas irreparáveis, não se permitia paralisar e caminhava pelas ruas de Paris e por suas passagens encontrando, resgatando e dando nova vida aos rastros de singularidades perdidas que assim renovavam e resignificavam o presente em que ele vivia.
Susan Sontag assinala a transmutação do extremo estado de paralisia melancólica em revoltada ação em Benjamin:
"No espaço, podemos ser outra pessoa. O escasso senso de orientação em Benjamin e sua incapacidade de interpretar o mapa de uma rua transforma-se numa paixão pelas viagens e no domínio da arte de se perder. O tempo não nos concede muitas oportunidades(...). O espaço, ao contrário, é amplo, fértil de possibilidades, posições, interseções, passagens, desvios, conversões, becos sem saída, ruas de mão única. Na realidade, demasiadas possibilidades. Como o temperamento do saturnino é vagaroso, propenso à indecisão, às vezes, precisamos abrir caminho de faca na mão. Às vezes, acabamos virando a faca contra nós mesmos."¹
Imbuído de uma melancolia que não o abatia, mas sim o provocava, Benjamin saía a recolher em notas, em fragmentos, espaços poéticos de uma cidade, seus viventes e os fugidios traços que remetiam àqueles que já não estavam mais lá; procurava o beco, o que não estava explicitamente visível; a cidade fora de seus aspectos mais tradicionais, onde a história não está mais dada, pronta e acabada como um discurso contínuo e homogêneo; onde a história se apresenta como problema que se recoloca constantemente e não como resposta já concluída antes mesmo de se colocar a questão.
Benjamin indagava justamente sobre o que o historiador do convencional propositadamente encobriu ou por conivência deixou que se ocultasse. Para Benjamin é preciso "pentear a história a contrapelo"², é preciso aproveitar a fugidia oportunidade de ler as outras histórias que repentina e quase imperceptivelmente vão despontando em pequenas percepções permitindo que se rompa a continuidade de um discurso costumeiro que as houvesse ocultado ou destruído para sempre.
O tempo do melancólico é o da interrupção do tempo contínuo. Uma forma sagaz de pensar que não procura negar a ilusão de um tempo ininterrupto em direção ao progresso, mas sim criticá-lo, divergindo de sua ininterrupta marcha; rompendo-a e mudando seu ritmo para que dela possam brotar desvios capazes de criar novas oportunidades de vida para os que hoje demandam novas possibilidades. É como reacender uma chama que se apagara.
Mas isso não acontece através de uma esperança que aguarda um milagre capaz de contornar as possibilidades e impossibilidades já conhecidas. É preciso romper as relações com o excessivo peso do que já se conhece como possível para que se possa ver o quanto esse conhecimento é paralisante e interdita a ação.
Tomada então por essa melancolia benjaminiana aliada a uma esperança ativa, caminho pela cidade no intuito de resgatar pequenas capturas de sob a ilusão de um cotidiano que se repetiria como o mesmo todos os dias; seja no ato da intervenção nas rua e nos meios de transporte, seja na forma de fotografias e vídeos ou à outras tantas artísticas ou não. Essas combinações trazem a tona novos significados que não resultam de minha adesão a nenhuma intenção prévia de expor um determinado ponto de vista sobre o que encontro pelo caminho, mas fazem emergir novas visões e desvios sobre as noções comuns sobre o dia-a-dia.
Preciso esvaziar-me do já visto para poder ver um novo presente, para poder sentir a tristeza de um modo jamais visto, capaz de atear fogo aos meus sentidos; abandonar o já conhecido e as antigas esperanças e expectativas para poder construir novos modos de agir esperançosamente.
¹ SONTAG, Susan. Sob o signo de Saturno. Porto Alegre: LPM, 1986, pp.90-91.
² BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. Tese VII, apud LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses "Sobre o conceito de história". São Paulo: Boitempo, 2005, p.70.
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
nota sobre santas rainhas princesas e trânsito 4b na mostra cotidiano&mobilidade:
No próximo domingo, dia 28 de agosto, termina a exposição do grupo cotidiano e mobilidade, em cartaz na galerias 1 e 2 da EAV-Parque Lage.
Os trabalhos apresentados por mim na exposição, partiram do mapeamento das linhas de ônibus - num total de 25 linhas -, que trafegam pela rua Jardim Botânico; grande via localizada no bairro de mesmo nome e que faz a ligação entre outros bairros da cidade do Rio de Janeiro.¹ Minha ligação com essa rua se dá por dois motivos; pelo fato de morar em uma de suas transversais e por frequentar a EAV-Parque Lage onde dou aulas de arte para crianças e participo de cursos e oficinas, localizada no nº 414.
Durante o processo de mapeamento e pesquisa, algumas mudanças ocorreram, como a uniformização da cor dos ônibus e pequenas alterações nas rotas e nos números das linhas. No entanto, o serviço em si, continua muito ruim. Não há uma fiscalização efetiva nas ruas por parte da Prefeitura nem melhora no trânsito. Os poucos fiscais presentes em alguns pontos, são empregados das concessionárias, e ali se encontram somente para regular o tempo gasto pelos motoristas entre determinados pontos.
É visível o estresse e a agressividade em muitos motoristas e cobradores. O tráfego pesado aliado à falta generalizada de educação para o trânsito, são ingredientes para que as viagens se tornem cansativas ou mesmo tomarem por vezes ares de aventura; quando, diante de pistas livres, os motoristas imprimem grande velocidade no intuito de querer descontar o tempo perdido.
Durante a cobertura dos itinerários, descobri a massiva presença de nomes masculinos nas vias e logradouros em geral. Apenas dois túneis, um viaduto, um largo, três avenidas e doze ruas levam nomes de mulheres. Por conta disso, um dos trabalhos da mostra procurou assinalar essa dissonância. Trata-se do vídeo Santas rainhas princesas, elaborado a partir da fotografia de um ônibus, cujo letreiro revela os nomes de mulheres mapeados.
Também foram selecionados para a mostra dois trabalhos em serigrafia, dispostos lado a lado na galeria, apresentados em display de madeira utilizados em bancas antigas de jornais e em casas lotéricas. O primeiro grupo, apresenta serigrafias impressas sobre seleção de matérias jornalísticas que se relacionam com a questão do trânsito na cidade do Rio de Janeiro. No segundo display, as serigrafias impressas sobre folhas de papel jornal apresentam composições gráficas que se relacionam com os percursos percorridos.
As cores e texturas da tinta dialogam diretamente com as cores das placas de sinalização e do asfalto que recobre as vias. A leitura dos textos dos jornais que restam visíveis sob a intervenção, se desdobram e criam uma fricção com questões que envolvem o próprio sistema da arte.
¹. Dentre as 25 linhas, uma faz a ligação entre o bairro da Gávea e o de Icaraí na cidade de Niterói. Somente o percurso da linha do metrô de superfície não foi mapeada, ainda que o dito metrô de superfície não passe de um ônibus.
sexta-feira, 15 de julho de 2011
O grupo cotidiano e mobilidade traz a público de 22 de julho a 28 de agosto, nas galerias 1 e 2 da EAV_Parque Lage, Rio de Janeiro, as pesquisas de 11 artistas que tiveram como ponto de encontro e de trocas o Núcleo de Arte e Tecnologia (NAT_EAV).
A mostra revela relatos a partir de mapeamentos de percursos impregnados de experiências distintas e afetos múltiplos. As artistas utilizaram dispositivos móveis como câmeras e celulares, assim como outros meios plásticos e sonoros para compor narrativas cotidianas acerca da cidade e de seus habitantes.
Meu trabalho se configura como um jogo cujo ponto de partida é o ponto de ônibus mais próximo de minha casa. O objetivo consiste em percorrer, ponto a ponto, todas as linhas que trafegam pela rua principal, mapear os percursos e registrar seus extremos a fim de ultrapassar dissonâncias entre zonas sul, centro, norte e oeste da cidade do Rio de Janeiro. O resultado desses percursos toma formas diversas como vídeo, fotografia e serigrafias sobre papel jornal.
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Rotina
O despertador toca, são seis horas da manhã, é difícil levantar, desejo mais alguns minutos de sono. Novamente o despertador responde a hora programada, permito-me mais dez minutos e novamente o despertador toca o mesmo toque de todo dia, agora não dá mais; se não levantar nesse exato momento, acabo atropelada na minha própria lentidão. Alongo-me para que o corpo possa se preparar para um mesmo longo dia. A agenda está cheia. Abro a porta do quarto e a gata sai na minha frente. Ela já tinha dado sinais de que era dia antes mesmo do despertador tocar. Vou até a área de serviço e encontro o pote de ração sobre a mesa; abro-o e sirvo-a. Fecho o pote, recoloco-o no mesmo lugar, e me dirijo ao banheiro. Antes passo pela cozinha, tomo dois copos de água para ativar o corpo, e alcanço a chaleira em cima do fogão. Dirijo-me à área onde se localiza o filtro, coloco água na chaleira e retorno à cozinha. O acendedor automático não quer funcionar. Pego a caixa de fósforos, acendo o fogo para a chaleira e o forno para o pão. Primeira checagem do dia: ok tudo certo; agora banho! Demoro-me ao mesmo tempo em que experimento a deliciosa sensação da água quase fria sobre meu corpo e o cheiro doce do xampu e sabonete. Já ouvi o apito da chaleira longo e contínuo - talvez seja esse o som que embala a rotina cotidiana. Experimento um pequeno frisson; talvez já tenha que acelerar o ritmo, demorei muito no banho e ainda tenho que pôr a mesa para filha e marido que também vão sair! Esqueci de tirar e pendurar a roupa que botei pra lavar na máquina ontem à noite; será que ainda dá tempo? Antes de sair, olho-me no espelho: não tem jeito, é a repetição da rotina que começa a ocupar mais um dia sempre igual. Desço as escadas. Aperto os botões que abrem a porta e o portão que me leva à rua. Lembro então de um verso de Fernando Pessoa que diz: "Entre o que vive e a vida pra que lado corre o rio?" Alcanço a calçada e começo a descer a rua. Pessoas passam por mim levando também seus roteiros diários que se unem ao meu e a tantos outros criando um fluxo maior que igualmente se repete formando montantes e vazantes que compõem as naturais marés de nosso ambiente urbano, colocando em questão as tradicionais separações entre o natural e o artificial. A paisagem já é outra quando encontro a esquina e me deparo com a rua principal, grande via de acesso a outros bairros da cidade onde passam os mais variados tipos de veículos - caminhões carros particulares táxis ambulâncias diversas linhas de ônibus motocicletas triciclos e bicicletas num vaivém contínuo (no céu vejo helicópteros). Seu tráfego pesado e intenso ainda que pareça caótico apenas segue uma complexa organização formando mais um sistema que se entremeia de modo muito complexo em outros sistemas. Em sua longa extensão, rua e bairro abrigam ainda outros lugares que ajudam a engrossar seu trânsito ao longo do dia como prédios comerciais empresas clínicas hospital público escolas praças clubes mercados bares lanchonetes restaurantes farmácias bancos livraria áreas de lazer bancas de jornais.
Dirijo-me ao ponto de ônibus. Espero o sinal de trânsito parar o fluxo de veículos em mão-dupla. Atravesso a faixa de pedestres. O ritmo das travessias - minha e dos outros - é medido pela pressa e pelo alcance das pernas. O sinal começa a piscar, e novamente sãos os veículos que dominam a cena. Chego ao ponto; faço sinal e o ônibus passa ao largo. Subo no que vem a seguir e que está sempre cheio. Tenho que viajar em pé. Nesse horário é assim mesmo, estão todos se deslocando de casa para o trabalho... Cumprimento o motorista que não responde. O dinheiro trocado, como de costume, está na mão. Cumprimento o cobrador que parece não me ver. Passo pela roleta estreita e me espremo entre os outros passageiros, poucos se olham; quantos se veem? Alguém fala ao celular, e a conversa dita as horas dos acontecimentos. O ônibus segue em direção ao centro. A viagem até o bairro seguinte é lenta. Lá chegando percebo que em sua rua principal a coisa é a mesma; ônibus carros táxis transeuntes. Depois de uma longa curva o ônibus alcança a praia. Lá fora tudo parece estar em seu devido lugar. Algumas pessoas saltam outras entram, e a viagem segue nesse ritmo que parece interminável. Por sorte consigo um assento depois de grande percurso. Alguém faz sinal; o ônibus para e novamente pessoas sobem outras descem e recomeça tudo de novo... Sigo o caminho num cego automatismo, já nem reparo a paisagem. Por um momento me sinto em profundo estado de torpor. Como a figura alada na gravura Melencolia I de Dürer, lanço um olhar para um outro lugar; um fora de campo que me leva para além dos limites circunscritos à repetição da cena cotidiana, assim a tristeza se desfaz preenchida pela alegria de saber que posso habitar outros lugares. Quando no metrô percebo semelhante opressão. No vagão o ambiente é quase claustrofóbico e o deslocamento subterrâneo aponta para camadas compactadas e emparedamentos - metáfora à condição de aprisionamento involuntário em que muitos se encontram. Cheio de mensagens subliminares adestramentos e esgotamentos, o vagão é um lugar com pouco ou quase nenhum espaço de respiração, além disso, é em si mesmo um espaço de confinamento; é absolutamente necessário que suas portas mantenham-se hermeticamente fechadas durante os percursos dentro dos túneis.
Cidadão consciente. É preciso que cada um faça a sua parte. Contribua. Atenção. Cuidado. Esquerda. Direita. Para frente. Ande. Pare. Faixa de pedestre. O sinal pisca. Agora é a hora de atravessar. Corra. Seja um. Compre isso. Faça assim. Patrulha. Choque de ordem. Fumante aqui nem pensar! Beba refrigerante diet. Lugar de ficar. Lugar de passar. Setor A. Setor B. Setor G'. Conformação. Rua. Caminho do trabalho. Caminho de casa. Passarela. Faixa contínua. Faixa compartilhada. Cone. Ordem. Mantenha-se a direita. Trânsito lento. Táxi ônibus metrô. Prezado cliente, respeite a faixa amarela. Vagão exclusivo para mulheres. Sobe. Desce. Escada rolante. No ônibus há uma câmera e um monitor exibindo dicas conselhos e notícias banais. No elevador também percebo uma câmera. Controle. Outros olhos eletrônicos monitoram os fluxos de deslocamentos do tráfego e a nós também, já chegaram até mesmo às praias.
Margens bordas limites e fronteiras. Faixas cercas e muros criam barreiras e separam uns dos outros. Sinto a pressão dos aparatos ordenadores das regras diárias de divisão dos espaços coletivos.
Peixes no aquário.
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